1) Introdução
Qual advogado previdenciarista nunca se deparou com um laudo em que o perito responde o quesito com “ não se aplica ” ou “ prejudicado ”?
Pois é, infelizmente situações desse tipo acontecem com certa frequência!
Nós organizamos devidamente os documentos médicos e formulamos quesitos inteligentes em nossa petição inicial, mas o perito simplesmente responde dessa forma. Nesses casos, o que o advogado deve fazer?
Sei que essa é uma dúvida de muitos de vocês, por isso resolvi escrever esse artigo explicando o que significa “prejudicado” no laudo pericial e trazendo dicas práticas sobre como os colegas devem agir em situações como estas (já adianto que busquei até jurisprudência sobre o tema)!
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2) O que é prova pericial em um processo?
Nos termos do art. 464, caput, do Código de Processo Civil, prova pericial consiste em exame , vistoria ou avaliação. Possui o objetivo de auxiliar o Juiz na resolução das lides que envolvem temática alheia à sua área de atuação.
É realizada por profissional especialista , com formação e conhecimento sobre a área em discussão. Portanto, trata-se de um juízo de valoração , que pode ser técnico, avaliatório, artístico, científico, contábil, entre outros.
2.1) Prova pericial médica em ação previdenciária
Na ação previdenciária, a perícia médica é geralmente utilizada para verificação de: condição de inválido do dependente (para fins de prorrogação da qualidade quando maior de 21 anos de idade – art. 16, I e III, Lei n. 8.213/1991); incapacidade laboral do segurado; doença para concessão da isenção de imposto de renda.
Além disso, a prova pericial médica também é necessária, em alguns casos, para a verificação da data do início e fim da incapacidade.
O parecer contido no laudo pericial , representa uma prova técnica , servindo para fundamentar a decisão do Juiz sobre a concessão, prorrogação ou interrupção do benefício por incapacidade.
Lembrando que, para a caracterização da incapacidade do segurado, seja na via administrativa (INSS) ou judicial, é necessária a produção de prova pericial por profissional devidamente habilitado e especializado naquela patologia em discussão.
Em hipótese alguma pode o órgão decisório negar ao requerente a produção de tal prova, sob pena de caracterizar-se cerceamento de defesa e levar à anulação da decisão.
_[Leia também:_ Perícia Médica na Quarentena: 5 Dicas da Perita]
3) O que significa “prejudicado” no laudo pericial?
Quando o perito entende que determinado quesito não possui resposta , não está diretamente ligado à área da perícia médica solicitada ou não guarda nexo com o objetivo do laudo pericial , ele indica que aquela resposta resta prejudicada.
Ou seja, naquele ponto em específico , o perito entendeu que não seria possível avaliar, fazendo com que seu parecer sobre aquela questão tenha sido prejudicado.
O termo “prejudicado” é utilizado quando o quesito perdeu o sentido em decorrência de uma resposta anterior. Por exemplo:
1) O periciando tem tuberculose? Resposta: não.
2) Se sim, qual a gravidade? Prejudicado (ficou prejudicado porque ao resposta ao quesito 1 foi negativa).
4) “Não se aplica” ou “prejudicado” como resposta aos quesitos
No Código de Processo Civil de 1973, a prova pericial possuía uma materialidade e uma formalidade mais “livre”, de modo que muitos laudos incompletos ou inconclusivos eram aceitos pelos Juízes.
Com a vigência do atual Código de Processo Civil (2015), a prova pericial foi disciplinada de uma forma muito mais rígida. Em seu art. 473 , foram elencados todos os requisitos cujo laudo pericial deveria obrigatoriamente conter:
Art. 473, CPC. O laudo pericial deverá conter:
I – a exposição do objeto da perícia;
II – a análise técnica ou científica realizada pelo perito;
III – a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou;
IV – resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério Público.
Perceba que o inciso IV fala justamente que o laudo deve conter resposta conclusiva para todos os quesitos, sejam eles formulados pelo Juiz, pelas partes ou pelo MP.
Porém, ainda é comum nos deparamos com laudos periciais com conclusões contraditórias , análises superficiais ou que se utilizam das expressões “não se aplica” ou “prejudicado” como resposta aos quesitos.
Nesses casos em que não houve observância aos requisitos elencados, o art. 477 do Código de Processo Civil traz a possibilidade das partes promoverem impugnação ao laudo pericial no prazo comum de 15 dias.
Na impugnação, mediante apresentação de quesitos suplementares , a parte pode requerer a complementação ou esclarecimentos sobre pontos divergentes ou duvidosos do laudo pericial. Desse modo, o perito do juízo tem o dever de, no prazo de 15 dias, prestar os referidos esclarecimentos.
Além disso, se a matéria ainda não ficar suficientemente esclarecida, o Juiz pode determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia , nos termos do art. 480, caput, do CPC.
No entanto, caso o Juiz não se atentar ou ignorar, e julgar a ação com base no laudo incompleto , estaremos diante de um cerceamento de defesa e de uma sentença nula por falta de fundamentação (a sentença baseou-se em um laudo pericial que não seguiu todos os requisitos do art. 473, do CPC).
Desse modo, cabe recurso de apelação para anular a sentença, fazendo com que os autos sejam remetidos à instância inferior para reabertura da fase de instrução (produção de provas).
4.1) Jurisprudência
Sobre a existência de laudo pericial incompleto, cerceamento de defesa e nulidade da sentença embasada nessa prova pericial inconclusiva, resolvi trazer algumas ementas que revelam como os Tribunais têm julgado o tema.
Confira:
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AUXÍLIO-DOENÇA OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE DE SENTENÇA . LAUDO MÉDICO PERICIAL INCOMPLETO .
1.Trata-se de pedido de concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez previstos nos artigos 42 e 59/63 da Lei 8.213/91.
2.Cerceamento de defesa caracterizado. Laudo pericial não apresentou resposta aos quesitos apresentados pelas partes. Violação ao contraditório e ampla defesa constitucionalmente assegurados .
3.Reexame necessário não conhecido. Apelação do INSS provida e apelação da parte autora prejudicada.
(TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, ApelRemNec – APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA – 2285488 – 0042517-78.2017.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 29/07/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/08/2019)
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PERÍCIA INCOMPLETA. PROVA PERICIAL POR ESPECIALISTA. SENTENÇA ANULADA . REABERTURA DA INSTRUÇÃO. Havendo dúvida quanto à incapacidade laborativa da parte autora, tendo a sentença baseado-se exclusivamente em laudo judicial incompleto , que não respondeu aos quesitos feitos pela parte autora e não foi realizado por especialista , é de ser dado provimento ao recurso, a fim de ser anulada a sentença , em razão de cerceamento de defesa , para que seja reaberta a instrução com a realização de perícia judicial por ortopedista. (TRF4, AC 5060059-94.2017.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 19/06/2018)
[…] 1. A realização de perícia judicial é imprescindível para a análise da condição laborativa do requerente à aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, assim como para a verificação da data do início da incapacidade.
2. Há cerceamento de defesa quando a decisão recorrida conclui, sem a produção de perícia médica judicial, que a incapacidade é posterior à perda da qualidade de segurado.
3. Acórdão recorrido e sentença anulados de ofício , com retorno dos autos à origem para a produção de prova pericial, considerando-se prejudicado o Pedido de Uniformização (TNU, PEDILEF n. 200671950075237/RS, Rel. Juíza Federal Simone dos Santos Lemos Fernandes, j. 11.10.2010, DOU 13.05.2011)
5) Conclusão
Como vocês sabem, sempre busco trazer uma visão prática sobre os aspectos que envolvem a perícia médica.
Compreendo que o laudo pericial muitas vezes não é entregue da forma como queremos (para o descontentamento geral da nação advocatícia… hahaha). Por isso, cabe ao advogado dominar a questão processual e utilizar todos os elementos e recursos existentes em favor do cliente.
Felizmente, o Código de Processo de 2015 veio para ajudar essa missão, trazendo os requisitos obrigatórios do laudo, apresentando os deveres do perito judicial e abordando com clareza os mecanismos a serem usados em casos de cerceamento de defesa e nulidade de sentença embasada em laudo incompleto.
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6) Fontes:
BRASIL. [Código de Processo Civil (2015)]. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 de março de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 25/06/2020.
____________. Lei n. 8.213/91, de 24 de julho de 1991. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 de julho de 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 25/06/2020.
LANG, Karine Mastella; SILVEIRA, Davi. A prova pericial. Âmbito Jurídico, 2017. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-processual-civil/a-prova-pericial/>. Acesso em: 25/06/2020.
LAZZARI, João Batista; KRAVCHYCHYN, Jefferson Luis; KRAVCHYCHYN, Gisele Lemos; CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Prática processual previdenciária administrativa e judicial. 9ª edição rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
MATIAS, Catiana. Perícia Médica na Quarentena: 5 Dicas da Perita. Desmistificando o direito, 2020. Disponível em: <https://www.desmistificando.com.br/pericia-medica-na-quarentena/>. Acesso em: 25/06/2020.
MATIAS, Catiana. DID e DII nos benefícios por incapacidade: você já sabe a importância?. Desmistificando o direito, 2020. Disponível em: <https://www.desmistificando.com.br/data-de-inicio-da-incapacidade-e-doenca/>. Acesso em: 25/06/2020.
NOGUEIRA, Leonardo Ramos. Em defesa da prova pericial. Gilberto Melo, 2019. Disponível em: <https://gilbertomelo.com.br/em-defesa-da-prova-pericial/>. Acesso em: 25/06/2020.
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