Artigo elaborado em 21/04/2020
Apesar de ser mais conhecida por seus impactos no universo trabalhista, a MP 905/2019 também afetou bastante o universo previdenciário.
Neste artigo, discuto brevemente como ficam os efeitos previdenciários da MP 905/2019 após a sua revogação pela MP 955/2020 durante o prazo em que ela esteve vigente.
1) Introdução
O presidente Jair Bolsonaro informou em rede social, em 20/04/2020, que iria revogar a Medida Provisória 905/2019. Ademais, esclareceu que vai editar um novo texto para substituir a MP , com regras específicas para o período de pandemia do coronavírus.
Editada em novembro, a MP estava parada no Senado porque não havia acordo para a aprovação. Se não fosse votada até o fim da segunda-feira (20/04/2020), a medida provisória perderia a validade pela rejeição tácita. A sugestão de reeditar o texto foi feita pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Em 20/04/2020, foi editada a MP 955/2020, que ab-rogou (revogou totalmente) a MP 905/2019.
Dessa forma, temos que o período de vigência da MP 905/2019 é de 11/11/2019 a 20/04/2020.
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2) O que é ab-rogação?
Ab-rogação é a revogação total de uma lei pela edição de uma nova.
Entende-se aqui lei em sentido amplo, abrangendo os decretos e demais normas que também poderão sofrer ab-rogação (como uma medida provisória).
LINDB, Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.
3) Pode o Presidente da revogar medida provisória já editada?
Sim, de acordo com o STF:
MEDIDA PROVISÓRIA. REVOGAÇÃO. POSSIBILIDADE. EFEITOS. SUSPENSÃO DA TRAMITAÇÃO PERANTE A CASA LEGISLATIVA. IMPOSSIBILIDADE DE RETIRADA DE MP DA APRECIAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 32. IMPOSSIBILIDADE DE REEDIÇÃO DE MP REVOGADA.
1. Porque possui força de lei e eficácia imediata a partir de sua publicação, a Medida Provisória não pode ser “retirada” pelo Presidente da República à apreciação do Congresso Nacional. Precedentes.
2. Como qualquer outro ato legislativo, a Medida Provisória é passível de ab-rogação mediante diploma de igual ou superior hierarquia . Precedentes.
3. A revogação da MP por outra MP apenas suspende a eficácia da norma ab-rogada, que voltará a vigorar pelo tempo que lhe reste para apreciação, caso caduque ou seja rejeitada a MP ab-rogante .
4. Conseqüentemente, o ato revocatório não subtrai ao Congresso Nacional o exame da matéria contida na MP revogada .
5. O sistema instituído pela EC nº 32 leva à impossibilidade – sob pena de fraude à Constituição – de reedição da MP revogada, cuja matéria somente poderá voltar a ser tratada por meio de projeto de lei. 6. Medida cautelar indeferida.
( ADI 2984 MC , Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 04/09/2003, DJ 14-05-2004 PP-00032 EMENT VOL-02151-01 PP-00070 RTJ VOL-00191-02 PP-00488)
Mas o Presidente da República não pode retirar uma MP da apreciação do Congresso Nacional. No entanto, ele pode expedir nova medida provisória revogando uma medida provisória anteriormente editada, e que está no Congresso Nacional para apreciação.
Mas, ainda assim, o Congresso Nacional deve apreciar a matéria contida na MP revogada.
A matéria é de Direito Constitucional e é complexa. Assim, recomendo a leitura do artigo “Medida Provisória pode revogar outra Medida Provisória” de autoria de Ana Cláudia Manso S. O. Rodrigues (veja link nas fontes).
4) Efeitos jurídicos da revogação da MP 905/2019
Alguns pontos sobre Medida Provisória para relembrar antes de avançarmos no raciocínio:
- Quando uma Medida Provisória é editada, ela tem força de lei (CF, art. 62).
- O prazo de vigência de uma MP é de 60 dias, prorrogável por mais 60 dias (CF, art. 62, §§ 3º e 7º), sendo que este prazo fica suspenso durante o recesso parlamentar (CF, art. 62, § 4º).
- Durante este prazo, ela é eficaz. Ela perde a eficácia se não for convertida em lei no prazo determinado pela constituição (CF, art. 62, § 3º).
- As demais normas do ordenamento jurídico que forem incompatíveis com ela ficam com eficácia suspensa durante o prazo de vigência da MP.
- Se a MP for aprovada e convertida em lei, é essa nova lei que revoga a lei anterior (se for com ela incompatível ou se tratar inteiramente da matéria que tratava a lei anterior).
- Se a MP for rejeitada pelo Congresso Nacional, as normas anteriores voltam a produzir efeitos. No entanto, é possível que as relações jurídicas decorrentes de atos praticados durante a vigência da MP continuem regidos por esta MP.
Vejamos:
CF, art. 62, §11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.
→ Mas a MP 905/2019 não foi rejeitada, ela foi revogada!
Dessa forma, como ficam os atos jurídicos praticados durante a vigência da MP 905/2019?
Será que seria possível, por exemplo, pedir a revisão do valor de um auxílio-doença com DII durante este período (de 11/11/2019 a 20/04/2020)?
A resposta vem do estudo da decisão da Medida Cautelar na ADI 2984 DF , cuja ementa vimos no item anterior (veja link nas fontes).
Resumidamente, existe um nexo de prejudicialidade entre ambas as medidas provisórias (a revogada e a revogante).
_Obs.: MP revogada = preexistente, anterior | MP revogante = mais recente_ |
Primeiro, o Congresso Nacional deve examinar a MP mais recente, ou seja, a revogante. Disso, teríamos dois cenários:
Cenário 1) MP revogante não é convertida em lei
Se a MP revogante não for convertida em lei, a MP revogada (que estava suspensa) retoma sua vigência e eficácia, cabendo ao Congresso Nacional decidir pela sua conversão ou não em lei no prazo restante de sua vigência.
No nosso exemplo da MP 905/2019 x MP 955/2020 temos que:
→ Se a MP 955/2020 não for convertida em lei, a MP 905/2019 (que estava suspensa), retomará sua vigência e eficácia.
→ Na sequência, o Congresso Nacional deverá decidir pela conversão ou não em lei da MP 905/2019. Disso, teríamos mais dois cenários:
Cenário 1.1)
Caso o Congresso Nacional converta em lei a MP 905/2019, esta mantém os efeitos jurídicos produzidos desde a sua edição.
Cenário 1.2)
Caso o Congresso Nacional NÃO converta em lei a MP 905/2019, ela poderá ou não perder sua eficácia.
Cenário 1.2.1)
A regra geral é que a MP perderá sua eficácia desde a sua edição (efeitos ex tunc) (art. 62, §3º da CF).
Cenário 1.2.2)
No entanto, a MP rejeitada pode continuar regendo os efeitos das relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência.
Isso aconteceria se o Congresso Nacional, expressamente, ressalvar que permanecem os efeitos já produzidos pela medida provisória ab-rogada entre as datas de sua entrada em vigor e de sua ab-rogação ou se deixar de editar o decreto legislativo (art. 62, §11 da CF).
Ou seja, se a MP 905/2019 for rejeitada E se o Congresso não editar o decreto legislativo em 60 dias , seria possível que ela continuasse valendo para os atos praticados durante a vigência dela (ex.: contribuição sobre seguro-desemprego, cálculo do auxílio-acidente, etc.).
Assim, se fosse esse o caso , não seria possível pedir a revisão de um auxílio-acidente, por exemplo, para que o cálculo seja 50% do SB e não 50% da aposentadoria por incapacidade permanente.
Cenário 2) MP revogante é convertida em lei
Se a MP revogante for convertida em lei, confirma-se a revogação da medida provisória anterior. Ou seja, torna definitiva a revogação da MP anterior.
Neste caso, entende-se que a MP revogada foi rejeitada pelo Congresso Nacional. Isso porque, se ele converteu em lei uma MP que revogou a MP anterior, significa que rejeitou esta MP.
Neste cenário, como ficam os efeitos produzidos pela medida provisória preexistente (revogada), enquanto não revogada, já que esta revogação opera-se apenas ex nunc?
Teríamos, novamente, dois cenários:
Cenário 2.1)
Via de regra, A MP revogada perderia sua eficácia desde a sua edição.
Cenário 2.2)
No entanto, a MP revogada pode continuar regente os efeitos das relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência, como já visto em item anterior.
Isso aconteceria se o Congresso Nacional, expressamente, ressalvar que permanecem os efeitos já produzidos pela medida provisória ab-rogada entre as datas de sua entrada em vigor e de sua ab-rogação ou se deixar de editar o decreto legislativo (art. 62, §11 da CF).
Novamente temos que se o Congresso não editar o decreto legislativo em 60 dias , seria possível que ela continuasse valendo para os atos praticados durante a vigência dela (ex.: contribuição sobre seguro-desemprego, cálculo do auxílio-acidente, etc.).
Assim, se fosse esse o caso , não seria possível pedir a revisão de um auxílio-acidente, por exemplo, para que o cálculo seja 50% do SB e não 50% da aposentadoria por incapacidade permanente.
5) Implicações da Revogação da MP 905: Dicas da Perita [VÍDEO]
6) Conclusão
Ainda é cedo para saber como ficarão os efeitos jurídicos da revogada MP 905/2019. Vamos precisar esperar o Congresso Nacional apreciar a MP 955/2020 para, posteriormente, apreciar a MP 905/2019.
Após isso, dependendo do cenário, precisaríamos estudar o decreto legislativo (ou falta dele), para definir se a MP 905/2019 vai continuar regendo os atos jurídicos praticados durante sua vigência (de 11/11/2019 a 20/04/2020).
Dessa forma, ainda não é possível saber se poderíamos, por exemplo, pedir a revisão de um auxílio-acidente com DII neste período, ou o reembolso dos valores pagos como contribuição previdenciária do seguro-desemprego.
Brasil, o país da insegurança jurídica.
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FONTES:
Bolsonaro decide revogar MP do Contrato Verde e Amarelo e editar novo texto;
Medida Provisória pode revogar outra Medida Provisória;
MP 905/2019; MP 955/2020; Constituição Federal; LINDB; ADI 2984 MC;
Lenza, Pedro Direito constitucional esquematizado® / Pedro Lenza. – 23. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019. (Coleção esquematizado ®)
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