1) Introdução
A Reforma da Previdência alterou drasticamente muitos temas do direito previdenciário, fazendo com que o advogado previdenciarista tenha que se atualizar constantemente sobre essas mudanças nem sempre tão vantajosas aos segurados.
Hoje, abordaremos sobre a complementação das contribuições previdenciárias realizadas em valor inferior ao piso do INSS, mais especificamente com relação ao segurado empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso, novidade trazida pela Emenda Constitucional n. 103/2019.
Este tema sofreu fortes críticas e merece sua atenção especial! Vamos lá?
2) O que é contribuição previdenciária?
Antes de nos aprofundarmos no tema em si, preciso te explicar brevemente em que consiste a contribuição previdenciária.
No Brasil, a Seguridade Social visa assegurar ao cidadão a garantia de manutenção de três direitos (o chamado “tripé da seguridade social”): Saúde, Assistência Social e Previdência Social.
Os dois primeiros são gratuitos e independem de qualquer contribuição do usuário. Ou seja, mesmo aquelas pessoas que não pagam qualquer tributo ao Estado podem fazer uso desses serviços.
Já a Previdência Social possui caráter contributivo, de modo que só terão direito a receber os benefícios e auxílios previdenciários aqueles que estiverem contribuindo mensalmente, através das denominadas contribuições previdenciárias.
Portanto, podemos dizer que a Previdência Social é um “seguro social” mantido por contribuições mensais e que protege o contribuinte de alguns riscos, garantindo a cobertura de contingências decorrentes de doença, invalidez, velhice, desemprego, morte e proteção à maternidade.
Em regra, todos os trabalhadores devem contribuir com o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), salvo os servidores públicos estatutários que ocupam cargo efetivo e os militares, que serão contribuintes do Regime Próprio da Previdência Social (RPPS).
Além disso, também existe a possibilidade de se manter uma Previdência Privada (de caráter facultativo), como o Regime de Previdência Complementar de Servidores Públicos e o Regime de Previdência Privada Complementar.
Para fins fiscais, a contribuição previdenciária é uma espécie de tributo, do gênero contribuição social, instituído pela União.
2.1) Limites da contribuição previdenciária
Os valores de contribuição previdenciária são pré-estabelecidos, não podendo o contribuinte optar por pagar indiscriminadamente o montante com que deseja contribuir, sob pena desse período não ser computado para fins de carência, tempo e salário de contribuição.
O piso previdenciário e o teto dos benefícios são os limites incidentes sobre a contribuição previdenciária.
Recentemente, a Portaria n. 914/2020 da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, publicada no Diário Oficial da União em 14/01/2020, reajustou o valor dos benefícios pagos pelo INSS e dos demais valores constantes do Regulamento da Previdência Social – RPS.
A seguir, vou te atualizar sobre os valores incidentes no ano de 2020!
Piso do INSS em 2020
O piso previdenciário é valor mínimo dos benefícios do INSS (aposentadoria, auxílio-doença e pensão por morte), em regra equivalente ao salário mínimo nacional, que em 2020 foi fixado em R$1.039,00 por mês.
O benefício de prestação continuada da lei orgânica da assistência social – BPC /LOAS (destinado a idosos e a pessoas com deficiência em situação de extrema pobreza), a renda mensal vitalícia e as pensões especiais para dependentes das vítimas de hemodiálise da cidade de Caruaru (PE) também seguem esse mesmo valor do salário mínimo.
No entanto, excepcionalmente existem variações do valor do piso, conforme os seguintes casos:
- pensão especial devida à vítimas da síndrome da talidomida: R$ 1.175,58;
- auxílio-reclusão (benefício pago a dependentes de segurados presos em regime fechado): R$ 1.425,56;
- benefício pago à seringueiros e a seus dependentes ( Lei n. 7.986/89): R$ 2.078,00.
- cota do salário-família: R$ 48,62, para o segurado com remuneração mensal não superior a R$ 1.425,56.
Obs.: Os recolhimentos efetuados em janeiro (relativos aos salários de dezembro passado) ainda seguem a tabela do ano de 2019.
[Obs.: Em 31/01/2020 foi publicada a MP n. 919/2020 , que aumentou o valor do piso nacional para R$ 1.045,00. A referida Medida Provisória passou a ter validade a partir de fevereiro, de modo que o novo piso incidiu no calendário de pagamentos do INSS somente a partir deste mês, com depósitos entre os dias 19/02/2020 a 06/03.2020.]
Teto do INSS em 2020
O teto dos benefícios é o valor máximo que o INSS pode pagar a título de benefício previdenciário. Em 2020, esse teto passou a ser de R$ 6.101,06 e as faixas de contribuição ao INSS também foram atualizadas.
O segurado empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso, a partir de 1º de janeiro de 2020, pagará de acordo com as seguintes alíquotas:
- 8% para aqueles que ganham até R$ 1.830,29;
- 9% para quem ganha entre R$ 1.830,30 e R$ 3.050,52;
- 11% para os que ganham entre R$ 3.050,53 e R$ 6.101,06.
Já a partir de 1º de março, entram em vigor as novas alíquotas de contribuição do segurado, estabelecidas pela Emenda Constitucional n. 103/2019, que serão:
- 7,5% para salário de contribuição até R$ 1.039,00;
- 9% entre R$ 1.039,01 e R$ 2.089,60;
- 12% entre R$ 2.089,61 e R$ 3.134,40;
- 14% para entre R$ 3.134,41 e R$ 6.101,06.
Observando que essas alíquotas serão cobradas de forma progressiva, ou seja, incidindo sobre cada faixa de remuneração do segurado.
3) Contribuição previdenciária inferior ao piso e a Reforma da Previdência
Antes da Reforma da Previdência, a previsão legal era no sentido de que o segurado contribuinte individual (autônomo ou prestador de serviços a empresas) e o segurado facultativo até poderiam apresentar um salário de contribuição inferior ao piso previdenciário. Contudo, ao menos que tais valores fossem complementados, isso não seria computado para fins de carência, tempo e salário de contribuição.
Já com relação ao segurado empregado, empregado doméstico ou trabalhador avulso, mesmo que contribuísse abaixo do piso, essa contribuição seria computada para todos os fins e, para efeito de salário de contribuição, seria considerado o valor do salário-mínimo (independente do montante pago a título de contribuição previdenciária).
Assim, era possível que um trabalhador que auferisse salário inferior ao mínimo nacional recebesse sua aposentadoria no valor do salário mínimo, o que obviamente trazia mais dignidade àqueles menos favorecidos financeiramente.
A novidade não tão boa é que, após a Reforma da Previdência, o segurado empregado, empregado doméstico ou avulso, passou a ser submetido ao mesmo tratamento legal dado ao contribuinte individual e do segurado facultativo, de modo que não mais poderá contribuir abaixo do piso e se aposentar com um salário-mínimo.
Assim, com a promulgação da Emenda Constitucional n. 103/2019 (conhecida como “Reforma da Previdência”), houve a inclusão do § 14 ao art. 195 da Constituição Federal, contendo a seguinte redação:
O segurado somente terá reconhecida como tempo de contribuição ao Regime Geral de Previdência Social a competência cuja contribuição seja igual ou superior à contribuição mínima mensal exigida para sua categoria , assegurado o agrupamento de contribuições.
Em seu art. 29, a Emenda Constitucional n. 103/2019 ainda traz essa previsão:
Até que entre em vigor lei que disponha sobre o § 14 do art. 195 da Constituição Federal, o segurado que, no somatório de remunerações auferidas no período de 1 (um) mês, receber remuneração inferior ao limite mínimo mensal do salário de contribuição poderá:
I – complementar a sua contribuição, de forma a alcançar o limite mínimo exigido;
II – utilizar o valor da contribuição que exceder o limite mínimo de contribuição de uma competência em outra; ou
III – agrupar contribuições inferiores ao limite mínimo de diferentes competências, para aproveitamento em contribuições mínimas mensais.
Parágrafo único. Os ajustes de complementação ou agrupamento de contribuições previstos nos incisos I, II e III do caput somente poderão ser feitos ao longo do mesmo ano civil.
Art. 29 da Emenda Constitucional n. 103/2019
Desse modo, fica claro que essas categorias agora também precisarão efetuar a complementação de suas contribuições previdenciárias realizadas abaixo do piso, sob pena de não serem computadas.
Como a referida Emenda Constitucional foi publicada em 13/11/2019, a competência 11/2019 está preservada, sendo que somente as próximas competências deverão seguir a nova regra, ou seja, a partir da competência 12/2019 em diante.
Lembrando que, durante a vigência da MP n. 808/2017 (que alterou a Lei da Reforma Trabalhista – Lei n. 13.467/2017), o segurado empregado já havia sido obrigado a complementar suas contribuições realizadas abaixo do piso do INSS, sob pena de não ter aquela competência considerada para fins previdenciários. Contudo, tal determinação vigorou apenas alguns meses, em razão da MP não ter sido votada a tempo no Congresso Nacional.
3.1) Opções para quem tem contribuições abaixo do piso
Os incisos do art. 29 da Emenda Constitucional n. 103/2019, citados no tópico anterior, ainda trazem algumas opções para aquele segurado que, no somatório das remunerações recebidas no período de 1 mês, receber remuneração inferior ao limite mínimo mensal do salário de contribuição do INSS.
- A primeira opção é que seja realizada a complementação da contribuição, de forma a alcançar o valor mínimo exigido pelo piso previdenciário.
- Outra alternativa seria verificar se em alguma competência o valor da contribuição excedeu o limite mínimo, havendo a possibilidade de se utilizar esse excedente em outra competência cuja contribuição estivesse em valor inferior ao piso.
- Já a terceira opção elencada seria a de agrupar as contribuições de diferentes competências que estivessem inferiores ao piso, aproveitando-as em contribuições mínimas mensais.
Conforme se percebe, a complementação, a utilização do excedente ou o agrupamento somente poderão ser efetuados durante o mesmo ano civil , sendo em regra vedada sua realização após o decurso daquele ano. Contudo, tal tema não é pacificado no INSS e não está previsto na Instrução Normativa n. 77/2015.
Na prática, o INSS tem aceitado as complementações realizadas em relação à benefícios programáveis, independente do período transcorrido, ou seja, independente de terem sido efetuadas no mesmo ano civil.
A justificativa para o referido posicionamento talvez se dê em razão de que a exigência de complementação dentro do mesmo ano civil não faz sentido para benefícios programáveis, visto que o risco social nesses benefícios já se é esperado (ex.: na aposentadoria por idade, o evento etário está previsto) .
No entanto, em relação aos benefícios não programáveis, seria complicado permitir que a complementação ocorresse após o evento do risco social, pois o segurado acometido poderia efetuar injustamente todas as complementações atrasadas por um indeterminado período de tempo (ex.: segurado que a vida inteira contribui a menor e somente após a ocorrência da invalidez decide complementar suas contribuições de forma retroativa para fazer jus ao auxílio-doença).
Tal impasse muito provavelmente será solucionado após a edição de norma que regulamente a matéria.
3.2) Piso do INSS ou da Categoria?
O §14 do art. 195 da CF trazido pela EC 103/2019 diz que a contribuição deve ser igual ou superior à contribuição mínima mensal exigida para a categoria do trabalhador.
No entanto, o art. 29 da EC se refere ao limite mínimo mensal do salário de contribuição , até que entre em vigor lei que regulamente o referido §14.
Ou seja, até que venha referida lei, o piso que vale é o do INSS e não o da categoria. Neste mesmo sentido, é a Portaria 230 do Ministério da Economia, de 20 de Março de 2020. Vejamos:
Art. 1º A partir de 13 de novembro de 2019, data da publicação da Emenda Constitucional n° 103/2019, o segurado que, no somatório de remunerações auferidas no período de 1 (um) mês, receber remuneração inferior ao limite mínimo mensal do salário de contribuição poderá: (…)
Art. 1º da Portaria 230 do Ministério da Economia, de 20 de Março de 2020
4) Contribuição previdenciária inferior ao piso: como complementar
A Receita Federal do Brasil, por meio do Ato Declaratório CODAC n. 5, publicado em 06/02/2020, instituiu o código de receita n. 1872 para o recolhimento complementar de contribuição previdenciária a que se refere o inciso I do art. 29 da Emenda Constitucional n. 103/2019.
A referida complementação mensal deve ser realizada pelo segurado (empregado ou não) da seguinte forma:
- Utilizar o Documento de Arrecadação de Receitas Federais (Darf);
- Preencher o campo 02 “Período de Apuração” com o último dia do mês de competência;
- Preencher o campo 03 “Número do CPF ou CNPJ” com o CPF do segurado;
- Utilizar o Código de Receita 1872 (campo 04).
A data de vencimento é o dia 15 do mês seguinte ao da competência (período de apuração), sendo que incidem ordinariamente acréscimos legais para os pagamentos realizados após o vencimento. Além disso, é possível utilizar o Programa para Cálculo e Impressão de Darf On Line (Sicalcweb).
Lembrando que o complemento é facultativo e só pode ser feito no mesmo ano civil, sob pena de não ser considerado, conforme determinação contida na Emenda Constitucional.
4.1) E as demais opções?
Quanto às demais opções previstas no inciso I do art. 29 da Emenda Constitucional n. 103/2019 (utilização do valor excedente e agrupamento), ainda não houve regulamentação e o INSS não possui um posicionamento pacífico sobre o tema.
5) Conclusão
A possibilidade de complementação das contribuições previdenciárias pagas abaixo do piso do INSS sempre existiu em nossa legislação com relação aos contribuintes individuais e aos facultativos.
No entanto, em relação ao segurado empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso, a Previdência Social em regra sempre permitiu que sua contribuição fosse inferior ao piso, não havendo a necessidade de complementação para conseguissem receber o benefício de um salário-mínimo.
Pelo menos nesse aspecto, a Reforma da Previdência prejudicou a referida classe de segurados. A necessidade de complementação e até mesmo a exigência de que o reajuste seja realizado no mesmo ano civil, somente dificulta a possibilidade desses segurados se aposentarem com o mínimo existencial.
No entanto, é necessário esclarecer o tema ainda não teve sua regulamentação definitiva, principalmente em relação à operacionalização das opções para quem contribui abaixo do piso previdenciário. Ainda existem muitas lacunas a serem sanadas!
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FONTES
BRASIL. Ato Declaratório Executivo CODAC n. 5, de 6 de fevereiro de 2020. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 07 de janeiro de 2020. Disponível em: < http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=106643>. Acesso em: 27/02/2020.
______. [Constituição (1998)]. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm >. Acesso em: 27/02/2020.
______. Emenda Constitucional n. 103, de 12 de novembro de 2019. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 de novembro de 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm>. Acesso em: 27/02/2020.
______. Medida Provisória n. 19, de 30 de janeiro de 2020. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 de janeiro de 2020. Disponível em: <http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-919-de-30-de-janeiro-de-2020-240824899>. Acesso em: 27/02/2020.
______. Portaria n. 914, de 13 de janeiro de 2020. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 de janeiro de 2020. Disponível em: < http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-914-de-13-de-janeiro-de-2020-237937443>. Acesso em: 27/02/2020.
Portaria 230 do Ministério da Economia, de 20 de Março de 2020
Orientações para pagamento do complemento de Contribuição Previdenciária. Receita Federal, 2020. Disponível em: <http://receita.economia.gov.br/orientacao/tributaria/pagamentos-e-parcelamentos/emissao-e-pagamento-de-darf-das-gps-e-dae/contribuicao-complementar-emenda-constitucional-no-103-2019>. Acesso em: 27/02/2020.
Portaria oficializa reajuste de 4,48% para benefícios acima do mínimo em 2020. Previdência Social, 2020. Disponível em: < http://www.previdencia.gov.br/2020/01/portaria-oficializa-reajuste-de-448-para-beneficios-acima-do-minimo-em-2020/ >. Acesso em: 27/02/2020.
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