Seguro-desemprego e Auxílio-doença: é possível acumular?

Entenda se é possível receber seguro-desemprego e auxílio-doença ao mesmo tempo e como o STJ e a TNU têm se posicionado sobre a “cumulação retroativa”.

por Alessandra Strazzi

3 de março de 2021

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Capa do post Seguro-desemprego e Auxílio-doença: é possível acumular?

1) Introdução

Imagine a seguinte situação: um segurado em gozo de auxílio-doença previdenciário tem seu benefício cessado injustamente pelo INSS e precisa retornar ao trabalho.

Logo após o retorno, por ainda estar incapaz e não conseguir exercer suas atribuições adequadamente, ele é demitido. Desse modo, diante do desemprego involuntário, o segurado se vê obrigado a requerer o seguro-desemprego.

Caso este segurado obtenha decisão favorável em uma ação de restabelecimento de auxílio-doença e o INSS for condenado a pagar o benefício desde a data de sua cessação (pagamento retroativo), o segurado teria que descontar os valores recebidos a título de seguro-desemprego nesse período?

Pois é, trata-se de uma situação atípica e que os Tribunais Superiores ainda não chegaram a um consenso sobre a possibilidade ou não da chamada “ cumulação retroativa ”. Porém, já existe jurisprudência da TNU sobre a questão.

No artigo de hoje, explicarei tudo o que você precisa saber sobre o acúmulo do seguro-desemprego e do auxílio-doença , citando os julgados mais importantes sobre o tema. Corre, porque está imperdível! 😉

2) Seguro-desemprego e Auxílio-doença

Antes de mais nada, é preciso entender em que consiste o seguro-desemprego e o auxílio-doença!

Explicando de uma forma simples, seguro-desemprego é um valor pago pelo INSS ao segurado que foi demitido de seu trabalho e acaba enfrentando uma situação de desemprego involuntário (dispensa sem justa causa).

Também é fornecido ao trabalhador comprovadamente resgatado de regime de trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo.

Possui previsão legal no art. 7º, inciso II, da Constituição Federal e é regulamentado pela Lei n. 7.998/1990.

Desligado de suas atribuições, o segurado (e, em alguns casos, seu beneficiário) recebe uma quantia mensal em dinheiro por tempo determinado , que normalmente varia entre três e cinco parcelas, de maneira contínua ou alternada, de acordo com o período trabalhado.

Quem recebe seguro-desemprego, além de gozar de assistência financeira temporária , também pode contar com auxílio na busca de emprego , visto que são oferecidas pelo Ministério da Economia, de forma gratuita, ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional.

Já o auxílio-doença (atualmente denominado auxílio por incapacidade temporária) é um benefício previdenciário destinado a todas as classes de segurados do RGPS que, cumprindo a carência, restarem incapacitados para o trabalho ou atividade habitual de maneira temporária , por mais de 15 dias seguidos, em razão da ocorrência de moléstia relacionada ou não com o labor.

A incapacidade precisa ser transitória (se permanente, deve ser requerida a aposentadoria por invalidez – atual aposentadoria por incapacidade permanente) e comprovada por perícia médica do INSS.

O benefício se subdivide em duas espécies , a depender da doença ou lesão do segurado: auxílio-doença acidentário (doença ou lesão relacionadas às atividades laborais) e auxílio-doença previdenciário (doença ou lesão que não apresenta nexo causal com o trabalho).

Possui previsão legal no art. 59 e seguintes da Lei n. 8.213/1991 e no Decreto n. 3.048/1999.

[Obs.: Você já ouviu falar em limbo previdenciário? Saiba que esta é uma situação muito comum em casos envolvendo auxílio-doença! Se você ainda não sabe o que isso significa ou como agir nessas situações, sugiro a leitura do artigo Limbo jurídico previdenciário trabalhista no auxílio-doença.]

2.1) Seguro-desemprego é benefício previdenciário?

Muitos previdenciaristas (eu inclusive) entendem que o seguro-desemprego é um benefício previdenciário.

Ou seja, enquanto a pessoa estiver recebendo o seguro-desemprego, estaria enquadrada na possibilidade de manutenção da qualidade de segurado do art. 15, inciso I, da Lei n. 8.213/1991 , de forma que os meses de recebimento deste benefício não seriam descontados do período de graça.

O Regime Geral de Previdência Social (RGPS) não se esgota na Lei n. 8.213/1991 e nem no INSS. A situação de desemprego involuntário , que também é uma das modalidades dos denominados riscos sociais, prevista no art. 7º, inciso II e art. 201, inciso II, ambos da Constituição Federal, é objeto de legislação específica.

Mas não existe motivo nenhum , muito menos exceção legal, para que o recebimento de seguro-desemprego não seja classificado no citado art. 15, inciso II , da Lei de Benefícios.

Porém, o INSS convenientemente “esquece” que este é um benefício previdenciário, contando o período que a pessoa recebeu este benefício como período de graça.

[Obs. 1: A consideração do seguro-desemprego como manutenção da qualidade de segurado dentro do inciso I do art. 15 não é uma tese forte e sim uma luta da advocacia. Portanto, não faça os seus planos futuros contando com isso! Essa tese é para ser usada para defender o cliente naqueles casos em que você verifica que ele perdeu a qualidade de segurado por pouco tempo (então vale a pena analisar se ele recebeu seguro-desemprego e se seria viável aplicar a tese).]

[Obs. 2: Por um curto período de tempo, o seguro-desemprego foi considerado salário de contribuição. Dessa forma, já que o segurado estava pagando contribuição previdenciária, o seguro-desemprego manteria a qualidade de segurado – essa previsão restava contida na MP n. 905 ab-rogada pela MP n. 955. Mas não deu nem tempo de regulamentar !]

3) Pode acumular seguro-desemprego com auxílio-doença?

Nos termos do art. 167, §2º, do Decreto n. 3.048/1999, é vedado o recebimento conjunto do seguro-desemprego com qualquer benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto: pensão por morte, auxílio-reclusão, auxílio-acidente, auxílio-suplementar ou abono de permanência em serviço.

Portanto, via de regra , o segurado não poderia acumular seguro-desemprego com auxílio-doença.

Porém, existe uma situação atípica que envolve o recebimento de seguro-desemprego e de auxílio-doença, não ao mesmo tempo, mas como uma espécie de “cumulação retroativa”.

Nesse caso, há quem defenda que seria possível a cumulação dos benefícios, conforme explicarei no próximo tópico!

4) “Cumulação retroativa” de seguro desemprego e auxílio-doença

Voltando à situação hipotética que apresentei lá no início: segurado que tem seu auxílio-doença previdenciário indevidamente cessado , volta a trabalhar e é demitido sem justa causa, passando a receber seguro-desemprego.

Enquanto ainda goza do seguro-desemprego, ele inicia sua luta para restabelecer o auxílio-doença , inclusive ajuizando ação contra o INSS.

Felizmente, ele obtém sentença favorável ao seu caso, sendo o INSS então condenado a restabelecer o benefício desde a data da cessação (ou seja, o Juiz entendeu que o benefício não poderia jamais ter sido cessado).

Ocorre que, na hora de promover o cumprimento de sentença e apresentar os cálculos dos “atrasados” (parcelas vencidas e não pagas, ou seja, parcelas existentes desde a cessação indevida até a data do restabelecimento do benefício), o advogado se depara com uma dúvida: o que fazer com aqueles meses em que o segurado recebeu o seguro-desemprego (mas que deveria ter recebido auxílio-doença)?

Seria possível incluir na conta os meses em que o cliente recebeu o seguro-desemprego ou isso geraria uma “cumulação retroativa” dos dois benefícios?

Sabemos que, via de regra, não é possível acumular benefícios previdenciários. No entanto, estamos falando de um caso atípico , em que a pessoa não vai literalmente receber os dois benefícios ao mesmo tempo.

Como o erro foi do INSS (que cessou o benefício de um segurado que ainda não estava apto para o trabalho, obrigando o mesmo a retornar ao labor ainda sem condições, situação que gerou sua demissão), seria justo incluir nos cálculos os meses de recebimento de seguro-desemprego , visto que o auxílio-doença era devido no período e em todo o momento o segurado agiu de boa-fé.

Ademais, seria uma espécie de “contraprestação” pela desídia da autarquia, que falhou ao cessar benefício cuja função era substitutiva de renda. E não nos esqueçamos de que esta desídia causou a demissão do segurado, em última análise.

Em uma situação parecida, na qual se discute se seria possível a “cumulação retroativa” de auxílio-doença com salário (em caso de retorno ao trabalho por cessação indevida com o segurado ainda incapaz), os Tribunais têm decidido que é permitido o recebimento retroativo do benefício por incapacidade , referente ao período em que o segurado exerceu atividade remunerada.

Em 2020, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou o Tema n. 1.013 (REsp 1.786.590/SP e REsp 1.788.700/SP), afeto ao rito dos repetitivos.

A questão tratava sobre a possibilidade de recebimento de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez concedido judicialmente em período de abrangência concomitante ao que o segurado estava trabalhando e aguardando o deferimento do benefício pelo INSS.

Na ocasião, foi fixada a seguinte tese :

“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial , o segurado do RGPS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente ”. (g.n.)

Sei que a tese não trata especificamente do seguro-desemprego e do auxílio-doença , mas, por envolver uma situação de retorno ao trabalho por cessação indevida com o segurado ainda incapaz, acredito que podemos utilizá-la em favor dos clientes que se encontram nessa situação!

Interessante destacar trecho do voto do Ministro Relator, Herman Benjamin, que explica justamente a particularidade do caso, diante da falha administrativa do INSS :

“[…] A presente controvérsia trata de caso, portanto, em que falhou a função substitutiva da renda , base da cobertura previdenciária dos benefícios auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.
O provimento do sustento do segurado não se materializou , no exato momento da incapacidade, por falha administrativa do INSS , que indeferiu incorretamente o benefício, […]
Por culpa do INSS , resultado do equivocado indeferimento do benefício, o segurado teve de trabalhar, incapacitado, para prover suas necessidades básicas, o que doutrinária e jurisprudencialmente se convencionou chamar de sobre-esforço . A remuneração por esse trabalho é resultado inafastável da justa contraprestação pecuniária.
Na hipótese, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa atua contra a autarquia previdenciária, pois, por culpa sua – indeferimento equivocado do benefício por incapacidade –, o segurado foi privado da efetivação da função substitutiva da renda laboral, objeto da cobertura previdenciária, inerente aos mencionados benefícios.
Como tempero do elemento volitivo do segurado, constata-se objetivamente que, ao trabalhar enquanto espera a concessão de benefício por incapacidade, está ele atuando de boa-fé , cláusula geral hodiernamente fortalecida na regência das relações de direito.
Dessarte, enquanto a função substitutiva da renda do trabalho não for materializada pelo efetivo pagamento do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, é legítimo que o segurado exerça atividade remunerada para sua subsistência , independentemente do exame da compatibilidade dessa atividade com a incapacidade laboral. […]” (g.n.)

Porém, volto a dizer: o Tema n. 1.013 não trata especificamente da cumulação retroativa do auxílio-doença e do seguro-desemprego, sendo apenas uma tese que os argumentos podem ser usados a favor do segurado nessa situação!

4.1) Entendimento da TNU

Em 12 de dezembro de 2019, a TNU julgou o Tema n. 232 (PEDILEF n. 0504751-73.2016.4.05.8200/PB) que discutia sobre se seria devido o recebimento cumulativo de auxílio-doença e seguro-desemprego , nos casos em que o segurado trabalhou por necessidade de manutenção do próprio sustento, mesmo estando incapacitado , nos termos em que indicado na DII fixada pela perícia judicial.

Na ocasião, foi fixada a seguinte tese:

“O auxílio-doença é inacumulável com o seguro-desemprego , mesmo na hipótese de reconhecimento retroativo da incapacidade em momento posterior ao gozo do benefício da lei 7.998/90 , hipótese na qual as parcelas do seguro-desemprego devem ser abatidas do valor devido a título de auxílio-doença.” (g.n.)

Desse modo, a TNU entende que não é possível a “cumulação retroativa” do auxílio-doença e do seguro-desemprego, devendo as parcelas do seguro-desemprego serem descontadas no cálculo do valor “atrasado” do auxílio-doença.

O Juiz Federal Bianor Arruda Bezerra Neto, relator do recurso, até foi contrário à fixação da citada tese.

O Magistrado defendeu que, no caso dos autos, haveria uma situação específica, não contemplada pela legislação: o segurado teve o benefício por incapacidade cessado indevidamente e, sem proteção social em razão da incapacidade, viu-se em situação de desemprego , que justificou a concessão do seguro-desemprego.

Preciso dizer que concordo com o posicionamento do Juiz Federal e acredito que os referidos benefícios são sim cumuláveis neste caso.

Porém, a TNU discorda deste entendimento e o voto vencedor foi o divergente do Juiz Federal Fábio Souza, que deu provimento ao recurso.

[Obs.: Cada vez tem se tornado mais comum o INSS cessar ou até mesmo negar a concessão do auxílio-doença. Se quiser aprender como evitar um laudo pericial negativo e o que fazer diante da recusa do INSS em conceder o benefício, recomendo a leitura do artigo:Por que o INSS nega auxílio-doença (auxílio por incapacidade temporária)?]

5) Dúvidas comuns sobre seguro-desemprego e auxílio-doença

Como a dúvida de um pode ser a dúvida de outros, selecionei três dos principais questionamentos que tenho recebido dos leitores sobre seguro-desemprego e auxílio-doença.

Caso tenha qualquer outra dúvida ou informação à complementar (principalmente sobre julgados favoráveis à cumulação), compartilhe comigo nos comentários! 😉

5.1) Tenho direito ao seguro-desemprego após auxílio-doença?

Em se tratando de auxílio-doença acidentário (doença ou lesão relacionadas às atividades laborais), o segurado não poderia ser demitido (visto que há vedação legal contra isso) e, consequentemente, não receberia seguro-desemprego.

No entanto, em se tratando de auxílio-doença previdenciário (doença ou lesão não relacionadas às atividades laborais), o segurado pode ser demitido e requerer o seguro-desemprego após ter gozado do auxílio-doença por um período.

5.2) Auxílio-doença bloqueia seguro-desemprego?

Como expliquei no tópico 3, não é permitido o recebimento concomitante de auxílio-doença e seguro-desemprego, nos termos do art. 167, §2º, do Decreto n. 3.048/1999.

Ademais, de acordo com o art. 7º, inciso II, da Lei n. 7.998/1990, o pagamento do benefício do seguro-desemprego será suspenso a partir do início da percepção de um benefício de prestação continuada da Previdência Social , exceto o auxílio-acidente, o auxílio suplementar e o abono de permanência em serviço.

Desse modo, por ser um benefício de prestação continuada, podemos dizer que o auxílio-doença “bloqueia” (suspende) o pagamento do seguro-desemprego.

[Obs.: Há situações excepcionais em que o segurado em gozo de auxílio-doença pode continuar trabalhando. É o que eu explico no artigo Quem recebe auxílio-doença pode trabalhar?]

5.3) Demissão após retorno do auxílio-doença é possível?

O auxílio-doença acidentário gera estabilidade no emprego pelo período de 12 meses após o retorno ao trabalho. Já o auxílio-doença previdenciário NÃO gera estabilidade no emprego, podendo o trabalhador ser demitido a qualquer tempo.

Portanto, a demissão logo após o retorno ao trabalho é possível apenas quando a pessoa esteve em gozo de auxílio-doença previdenciário.

6) Conclusão

Via de regra, não é possível a cumulação do auxílio-doença previdenciário com o seguro-desemprego, havendo inclusive vedação legal contra isso.

No entanto, a situação do segurado que teve o benefício por incapacidade cessado indevidamente e, sem proteção social , em razão da incapacidade, viu-se em situação de desemprego (que justificou a concessão do seguro-desemprego ) é diferente da hipótese disciplinada na lei.

Por se tratar de uma situação atípica, os Tribunais deveriam julgar o tema com a sensibilidade necessária, atentando-se ao fato de que o INSS falhou ao cessar o benefício e o segurado apenas agiu de boa-fé , motivo pelo qual as parcelas do seguro-desemprego não deveriam ser descontadas no cálculo dos “valores atrasados”.

Porém, esse não foi o entendimento da TNU, de modo que, pelo menos atualmente, a cumulação do seguro-desemprego e do auxílio-doença previdenciário é vedada, até mesmo no citado caso atípico.

7) Fontes

BRASIL. [Constituição (1998)]. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 15/02/2021.

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STRAZZI, Alessandra. Valor da aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez) após a Reforma da Previdência. Desmistificando o direito, 2020. Disponível em: <https://www.desmistificando.com.br/aposentadoria-por-incapacidade-permanente/>. Acesso em: 15/02/2021.

Alessandra Strazzi

Alessandra Strazzi

Advogada por profissão, Previdenciarista por vocação e Blogueira por paixão.

OAB/SP 321.795

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