1) Introdução
Com a Lei n. 13.846/2019 , muita gente passou a se questionar se realmente não corre prescrição contra incapaz.
Acontece que essa lei trouxe uma mudança significativa, criando até uma antinomia de normas previdenciárias com o Código Civil.
Recentemente, estudei sobre o tema e fiquei animada para compartilhar com vocês, especialmente no que se refere a prescrição e decadência face aos menores de 16 anos.
🤓 No artigo de hoje, vou explicar e explorar as implicações da mudança legal, discutindo as consequências para os absolutamente incapazes , além de analisar como isso pode interferir na concessão dos benefícios previdenciários, como a pensão por morte.
Isso é importante para entender o impacto dessas novidades legislativas, em especial quanto à revogação do art. 79 da Lei n. 8.213/1991, e como isso pode atingir os segurados menores de 16 anos no INSS.
👉🏻 Dá só uma olhada em tudo o que você vai aprender hoje:
- Quais foram as alterações recentes sobre a capacidade civil ;
- Se não corre prescrição contra incapaz;
- Como funciona a prescrição e a decadência contra os menores de 16 anos ;
- Qual é a implicação disso na pensão por morte com dependente absolutamente incapaz, em um exemplo prático;
- Qual norma prevalece quando há antinomia.
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2) Recordando: Capacidade Civil e as recentes alterações
Antes de mais nada, como o assunto é a prescrição e a decadência quanto aos incapazes, é importante relembrar as recentes alterações na capacidade civil promovidas na legislação.
📜 Apesar de falar que essas mudanças são “recentes”, elas já não são mais tão novas assim, porque foram introduzidas no Código Civil pela Lei n. 13.146/2015 , o Estatuto da Pessoa Com Deficiência.
2.1) Quem são os absolutamente incapazes?
Conforme o art. 3° do Código Civil , são considerados absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 anos:
Mas, não é sempre que foi assim, viu?
📜 Até a entrada em vigor da Lei n. 13.146/2015 , outros grupos também estavam inclusos na incapacidade civil absoluta.
Entre eles, os que por enfermidade ou deficiência mental não tinham discernimento para a prática dos atos da vida civil e, também, aqueles que por causa transitória não podiam exprimir a sua vontade.
Porém, com a nova norma, as disposições foram revogadas e atualmente apenas são considerados absolutamente incapazes os menores de 16 anos.
2.2) Quem são os relativamente incapazes?
Além disso, existem ainda os considerados pela lei como relativamente incapazes.
🤓 De acordo com o art. 4º do Código Civil, eles são os maiores de 16 e menores de 18 anos de idade, os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, os pródigos e aqueles que, por motivo transitório ou permanente, não puderem manifestar a sua vontade.
Esse grupo de pessoas tem regras legais diferenciadas, porque de alguma maneira não são considerados aptos para exercer ou gozar dos atos e direitos da vida civil, mas apenas de forma relativa.
Ou seja, há uma proteção, mas diante das particularidades desta categoria, ela é menos interventiva do que na incapacidade absoluta.
Inclusive, para uma pessoa desse grupo receber algum benefício previdenciário, deverá estar representada. Inclusive, se ainda não houver um representante nomeado judicialmente, poderá contar com a figura do administrador provisório no INSS. 🏢
Nesse caso, aliás, pode ser outorgada procuração para que um advogado possa defender os interesses do incapaz em juízo.
3) Não corre prescrição contra incapaz?
Uma vez que já revisamos quem são os relativamente e os absolutamente incapazes, chegou a hora de entender se não corre prescrição contra incapaz ou, do contrário, se ela incide nessas situações.
⚖️ Desde já, é importante deixar claro que hoje em dia há diferenças de tratamento da matéria no Código Civil e na Lei n. 8.213/1991 , que rege os benefícios previdenciários. Mas nem sempre foi assim.
Antes das alterações na Lei de Benefícios (promovidas pela Lei n. 13.846/2019, a “Minirreforma da Previdência de 2019”), existia um tratamento bem próximo, especialmente em relação aos absolutamente incapazes , que não sofriam com os efeitos da prescrição.
📜 Existiam disposições expressas tanto na legislação civil, como também na previdenciária quanto a esse ponto. Só que, atualmente isso mudou, ao menos quanto ao tratamento específico e expresso das regras legais aplicáveis.
No próximo tópico, vou explicar certinho como funciona!
4) Prescrição e Decadência em Face de Menores de 16 anos (Absolutamente Incapazes)
🧐 Bom, vou falar primeiro da questão da prescrição e da decadência em face dos menores de 16 anos na esfera civil e, depois, abordar como o tema é tratado atualmente no direito previdenciário, ok?
Lembrando, ainda, que o foco são os absolutamente incapazes, já que os relativamente incapazes seguem as regras gerais (portanto, corre prescrição contra eles)!
4.1) Esfera Civil
No direito civil, os primeiros dispositivos sobre a prescrição e decadência contra os menores de 16 anos de idade vieram no art. 169 do Código Civil de 1916.
📜 Tal regra vedava a fluência do prazo prescricional em face dos considerados pela lei como absolutamente incapazes , o que foi mantido no Código Civil de 2002 , pelo art. 198 e seu inciso I:
“Art. 198. Também não corre a prescrição :
I – contra os incapazes de que trata o art. 3 o __” (g.n.)
Os incapazes do art. 3º do Código Civil são, justamente, os menores de 16 anos.
Portanto, de acordo com a legislação civilista, o prazo prescricional só começa a correr quando a pessoa completar os 16 anos de idade, seguindo os limites temporais determinados em cada situação.
4.2) Esfera Previdenciária
⚖️ Já na esfera previdenciária, até a Lei n. 13.846/2019 , a norma que tratava sobre a prescrição e a decadência face aos menores de idade era o art. 79 da Lei n. 8.213/1991.
Ele dizia que não se aplicava o disposto no art. 103 da Lei de Benefícios ao pensionista menor, incapaz ou ausente.
Lembrando que o art. 103 da Lei de Benefícios prevê o prazo prescricional de 5 anos , contado da data em que deveriam ter sido pagas as prestações ou as restituições, salvo o direito de menores, incapazes e ausentes, conforme o seu parágrafo único.
🗓️ O mesmo dispositivo também trata do prazo decadencial de 10 anos , contado do primeiro dia do mês seguinte ao recebimento do benefício ou do dia em que o segurado toma conhecimento da decisão de indeferimento na esfera administrativa.
Esses são os prazos gerais aplicáveis às situações, mas o art. 79 da Lei n. 8.213/1991 afastava a sua aplicação quanto aos absolutamente incapazes.
🤓 Dá para notar que a legislação previdenciária era até mais protetiva que o próprio Código Civil, porque também incluía, além dos menores de 16 anos de idade, os “menores em geral”, os incapazes e os ausentes.
Acontece que isso mudou com a Lei n. 13.846/2019 (conversão da MP n. 871/2019) que trouxe, entre as suas novidades, a revogação do art. 79 da Lei de Benefícios. E fez isso sem introduzir uma norma substitutiva em seu lugar.
Então, atualmente, ao menos à primeira vista, não há na Lei n. 8.213/1991 uma disposição expressa que impeça o decurso do prazo prescricional (ou decadencial) contra os menores de 16 anos.😕
Além disso, a Lei n. 13.846/2019 deu nova redação ao art. 74 , inciso I , da Lei de Benefícios, que passou a prever que a pensão por morte será devida desde a data do óbito , se requerida em até:
- 180 dias após o óbito pelos filhos menores de 16 anos; ou
- 90 dias para os demais.
Depois desse prazo , de acordo com o art. 74, inciso II, a DIB será fixada na data do requerimento.
Antes dessa alteração normativa, os menores de 16 anos recebiam as prestações devidas desde o óbito, independente da DER.
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5) Antinomia de normas: Lei 13.876/2019 x Código Civil
🧐 Uma antinomia de normas significa que, em tese, há um conflito entre duas ou mais legislações aplicáveis a uma mesma situação, sendo que cada uma prevê um tratamento diverso ao problema.
E é exatamente essa a questão da decadência e da prescrição face aos menores de 16 anos no direito previdenciário, depois da revogação do art. 79 da Lei de Benefícios!
Estes prazos para os menores de 16 anos, introduzidos pela Lei n. 13.876/2019 , são considerados como prescricionais e, conforme o art. 198, inciso I, do Código Civil , a prescrição não corre contra os absolutamente incapazes.
🤔 “E aí, Alê, qual norma prevalece nesse caso?”
Bom, não há uma solução universal. Mas, existem algumas formas de resolver a questão, usando diferentes critérios, a depender do caso em concreto:
- cronológico;
- hierárquico; e
- especialidade da norma.
🗓️ Seguindo o critério cronológico , uma lei mais recente prevalece sobre uma mais antiga, se com ela for incompatível. Faz sentido se pensarmos que o legislador atual expressa a vontade contemporânea do povo, mas só vale para normas de mesmo escalão.
Já pelo critério hierárquico , uma norma considerada superior revoga ou se impõe sobre uma hierarquicamente inferior, mesmo que a última seja mais recente que a primeira.
Por exemplo, imagine que uma Emenda Constitucional de 2021 estabelece regras diferentes de uma Lei de 1980. Tanto pelo critério hierárquico como pelo cronológico, haverá a prevalência da alteração constitucional.📜
Já em outro caso, pense que uma lei ordinária de 2023 altera dispositivos que conflitam com a determinação da Constituição Federal de 1988. Pelo critério cronológico, até seria possível debater, mas, pela hierarquia, prevalece a norma constitucional.
📝 Por fim, o critério da especialidade diz que se há uma lei específica e uma lei geral dispondo sobre as mesmas questões, mas com determinações diferentes, deve ser aplicada a regra especial , que foi criada para tutelar aquele o assunto em particular.
É claro que nem sempre todos esses critérios são suficientes e, mesmo quando aplicados, não se pode dizer que há uma prevalência de uns sobre outros, de forma absoluta.
Mas, no caso do artigo de hoje, também existe um aspecto importante a se considerar: os princípios do direito previdenciário.
⚖️ Como a legislação previdenciária em regra deve ser interpretada de forma a proteger o segurado e garantir a aplicação das missões constitucionais da Previdência, o mais adequado seria aplicar o art. 198 do Código Civil.
Assim, não correria a prescrição contra os absolutamente incapazes, apesar da norma específica na Lei de Benefícios ter sido revogada.
🤗 Aliás, seria possível até usar o art. 103, parágrafo único da Lei n. 8.213/1991 a nosso favor:
“Art. 103 Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores , incapazes e ausentes , na forma do Código Civil .” (g.n.)
Veja que a própria legislação previdenciária traz, entre as regras do prazo prescricional, uma regulamentação que protege o direito de menores de idade, incapazes e ausentes, devendo ser seguido, nestes casos, a legislação civil. Esse é o ponto principal.
Apesar de ainda não existir um precedente vinculante, esta é uma corrente que tem fundamento jurídico, respeita os princípios constitucionais e protege os menores de 16 anos. ✅
6) Exemplo prático: prescrição contra absolutamente incapaz na pensão por morte
Por fim, vou comentar um exemplo prático de prescrição contra os absolutamente incapazes no caso de pensão por morte.
Inclusive, você sabia que esse benefício pode servitalício? Escrevi sobre isso em um artigo que acabei de publicar. Depois dá uma conferida, porque ficou completinho e com conteúdo bem bacana! 😉
Mas, voltando à questão, imagine que o Sr. Danilo, segurado do RGPS, faleceu em 2005, deixando como dependente apenas o seu filho, Daniel, de 4 anos de idade.
🤓 Pelo art. 74, inciso I, da Lei n. 8.213/1991, para Daniel receber os retroativos desde a data do óbito, ele teria que dar entrada no pedido em até 180 dias após o falecimento de seu pai. Passado esse prazo, ele teria direito à pensão apenas a partir da DER.
Mas, se aplicarmos as disposições do Código Civil, a prescrição começa a correr da data em que ele completar 16 anos de idade, passando a ser considerado relativamente incapaz.
Então, assim que fizer 16 anos de idade, passa a correr o prazo de 90 dias, previsto na segunda parte do art. 74, inciso I. Se não der entrada no pedido dentro desse lapso, ele perde o direito de receber os retroativos desde a data do óbito.
Agora, vamos supor que o Daniel fez o pedido quando tinha 16 anos e 1 mês , mas o INSS indeferiu. Nesse caso, passa a contar o prazo prescricional quinquenal (previsto no art. 103, parágrafo único da Lei de Benefícios) para dar entrada na revisão , sendo que os retroativos ficarão limitados aos últimos 5 anos.
Do mesmo modo, se o Daniel desse entrada no pedido quando ainda era menor de 16 anos e o INSS também tivesse indeferido, o prazo de prescrição quinquenal para a revisão começaria a correr a partir do seu aniversário de 16 anos.
Inclusive, isso é o que mais acontece na prática, viu?
O INSS indeferir o benefício após ele ser solicitado dentro dos prazos do art. 74 da Lei n. 8.213/1991 e a ação judicial apenas ser ajuizada após o dependente completar os 16 anos.
Por isso, quando uma situação dessas aparecer no seu escritório, fique atento e analise todas as possibilidades, porque são muitos os detalhes, ok?
Aliás, no campo de dicas práticas, acabei de escrever um artigo sobre os indicadores do CNIS conforme o Anexo V da Portaria n. 990/2022. Essas informações são muito importantes para o advogado previdenciarista, então não deixe de conferir depois! 😉
7) Conclusão
🧐 Quando se trata da prescrição no direito previdenciário, toda atenção é pouca, porque existem muitos detalhes que influenciam no seu curso. E, em relação aos absolutamente incapazes, não é diferente.
Com as alterações promovidas pela Lei n. 13.846/2019 , a Lei de Benefícios teve o seu art. 79 revogado, o que a princípio pode causar um conflito de normas, já que poderia ser interpretado que o prazo prescricional corre contra os menores de 16 anos.
Mas, como foi visto, é possível aplicar o previsto pelo Código Civil, o que supre a falta de previsão causada pela revogação e, ao mesmo tempo, segue protegendo os absolutamente incapazes.
🤓 No artigo de hoje, expliquei para você como a questão da prescrição está prevista atualmente no direito previdenciário e nas normas civilistas. Além de mostrar como pode ser resolvida a questão da antinomia de normas.
Com isso, espero lhe ajudar nas situações práticas que envolverem esses assuntos e surgirem no seu escritório. Como é bastante comum, especialmente nos casos de pensão por morte , acredito que possa ser muito útil!
😊 E já que estamos no final do artigo, que tal darmos uma revisada?
👉🏻 Para facilitar, fiz uma listinha com tudo o que você aprendeu:
- As alterações recentes sobre a capacidade civil determinaram que apenas são considerados absolutamente incapazes os menores de 16 anos;
- Em regra, não corre prescrição contra incapaz;
- A prescrição e a decadência contra os menores de 16 anos , no direito civil não se inicia, conforme o art. 198, inciso I, do Código Civil;
- No direito previdenciário, a matéria é regulada pelo art. 103 da Lei n. 8.213/1991, com respeito às normas civilistas quanto aos menores, incapazes e ausentes;
- A implicação disso na pensão por morte com dependente absolutamente incapaz, é que o benefício pode ser requerido e recebido muito depois do prazo quinquenal, observadas algumas regras;
- Na antinomia de normas, algumas soluções podem ser aplicadas, pelo critério hierárquico, temporal ou da especialidade.
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Fontes
Além dos conteúdos já citados e linkados ao longo deste artigo, também foram consultados:
ALENCAR, Hermes Arrais. Cálculo de Benefícios Previdenciários / Hermes Arrais Alencar. – 12. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022.
Código Civil de 2022 – LEI N. 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002
Estatuto da Pessoa com Deficiência – LEI N. 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015.
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